quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Não Acreditação do M.I.M. da U.A.




Existem escolas médicas a mais? Existem, segundo normas internacionais  deve haver uma faculdade de medicina por cada dois milhões de habitantes. Existem nove, em Portugal. Para não se arruinar o investimento já feito, aumente-se o número de vagas em Faro e em Aveiro, fazendo uma racionalização (diminuindo o total) do numerus clausus, de forma a resolver o problema de sobrelotação, quase claustrofóbica, das restantes faculdades do país, aumentando a qualidade do ensino básico e garantindo a continuidade da formação médica. Simplicidade. Que não passa por abrir mais faculdades de medicina. Privadas ou não. 


O tema não é novo. Aliás, a incapacidade da elite portuguesa – lisboeta? – fazer uma gestão adequada dos recursos públicos, roçando já o patológico, o cancerígeno, é um habitué que adocica sarcasticamente os dias mais sombrios de inverno na Pastelaria Vénus ao virar, mecanicamente, as páginas do periódico salpicadas de leite.

“Ai, ai, lá estás tu a ser do contra”, exaltam os guardiões do optimismo, boa-disposição e demais póneis envoltos em arco-íris, enquanto me dedico a abrir a página da U.A., onde se informa sobre “a não abertura de vagas para o próximo ano 2012/2013”. O porquê espraia-se no site da A3ES, que rejeitou a acreditação do MIM da U.A. “Então, não era isso que tu querias, a racionalização do número total de escolas médicas?”, vociferam os espertinhos que gostam de manter um odioso histórico de conversas. Não, não era. Em particular quando a Comissão de Avaliação Externa, segundo um comunicado da ANEM, recomenda a descontinuação do curso em Julho de 2012. Uma vergonha.

Não é comentável a leviandade política que permite, contra a opinião de quadros de especialistas reunidos (e pagos) para o efeito, com o parecer desfavorável (repetido variadíssimas vezes) da Ordem dos Médicos, com o alerta desesperado da ANEM, com total desinteresse pela qualidade da formação médica básica e programas de especialidade, a abertura de um curso para cumprir o mais reles dos objectivos. O populismo fácil.

Não é comentável, não é compreensível o desprezo com o futuro de jovens brilhantes, 38 de um conjunto de 1000 candidatos. Licenciados. Melhor sorte tiveram os restantes 962.















quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Somos Pantufeiros.




Sabe demasiado bem. O ar é doce e terno. E cheira a bolo, o nosso bolo, aquele que nos acaricia ao chegar a casa, quando o corpo dói do frio áspero que tomou a rua como sua, mas que fica sempre à porta. Mas que fica sempre à espreita, lá fora, enquanto nos perdemos no regaço do sofá, naquele cantinho mais doce do mundo onde o leitinho é sempre mais morno e que transforma qualquer minuto vespertino no mais encantador soninho. É onde a almofada tem uma mancha de baba. É nosso. E é mais que isso. É a mãe a chamar para jantar porque há natas do céu ou as tardes passadas em casa da avó, a comer marmelada com bolachas, e bolachas, e marmelada. E é o natal, e o aperto no coração até à meia-noite, que não chega nunca, para ver os olhos do mais cachopo, e há papel por todo lado e sempre, sempre, mais um bolo-rei, mais um bolo. Sempre, mais uma aletria.

Somos caseirinhos, quentes, emotivos e, principalmente, pouco produtivos. Gostamos de robes e chinelos, que mantemos ao ir comprar pão ao Sr. Azevedo. Gostamos do pão do Sr. Azevedo e de saber se a Anita vai casar em Junho. Somos um país que não cabe em relatórios de contas porque os bigodes do avô não se moldam às células de um programa de somatório. Somos descontraídos. O que não ajuda no momento de pagar as contas. Absolutamente nada. Por isso estamos na miséria. Porque adoramos pantufas e ver a miudagem a jogar futebol ao pé da garagem. A norte dos Pirinéus não entendem, com os gráficos, tabelas e guias. Está tudo pago. Tudo a horas. E ainda bem. Vivem com contas tratadas, vivem e viverão bem. Mas são demasiado monótonos. Frios. Nós vamos sobrevivendo em família, com a família, com o cão, com o gato, o nosso e o da vizinha, com os amigos com quem, enquanto se espera pelo cabrito nos rimos mais um pouco da desgraça que é amar demasiado esta terra.

Que não venham em nome das metas do défice, seja lá o que isso for, exigir demasiado, sempre dos mesmos. Quando não houver dinheiro para ver o Benfica perder mais um campeonato com um pratinho de tremoços o caso muda de figura. Não se habituem a manifestações pacíficas. 






Imagem retirada de http://catedraldaluz.blogs.sapo.pt/5364.html. Acedido a 17/10/2012.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O CNECV não vende jornais


Imagino directores de jornais nacionais a espumar da boca, quais adolescentes solitários com o último catálogo da Intimissimi nas suas trementes mãozinhas suadas, quando um qualquer lacaio de trinta anitos, a fazer umas horinhas a recibo verde há sete, lhe vem informar que os tipos do CNECV – um órgão meramente consultivo - emitiram um parecer que de forma sumária e em linhas gerais diz qualquer coisa passível de ser interpretada como um contributo para a legitimização do corte ao acesso a medicamentos.

Nunca mais se encontrava um título com força suficiente para encaixar entre as notícias sangrentas do massacre dos poucos que ainda vivem do trabalho por um governo a que Portas e os outros fixes fingem não pertencer e a capacidade mobilizadora do Facebook que reformou os autocarros bafientos da CGTP. Ou era isto ou lá se tinha que ir buscar mais umas escutazinhas do Sócrates. Ou o facto de o Oceano ser o novo Chalana do Sporting.

Apesar da virginal indignação histérica de uma turba incrédula com a possibilidade de se “tirar certo tipo de medicamentos a certo tipo de doentes”,o documento começa por definir quais os medicamentos e quais os doentes a que se refere com o seguinte parágrafo:

“O pedido formulado por Sua Excelência o Ministro da Saúde diz respeito à  elaboração de um Parecer sobre a fundamentação ética  para o financiamento de três grupos de fármacos, a saber retrovirais para doentes VIH+, medicamentos oncológicos e medicamentos biológicos em doentes com artrite reumatoide.”

De forma simples, os tratamentos anteriores são caríssimos mas essenciais para os doentes e para um estado carente de força produtiva, devendo-se optar por fármacos com um custo-efectividade elevado, “os mais baratos dos melhores”, oferecendo-se o melhor tratamento possível ao maior número de doentes, havendo um “fundamento ético para que o Serviço Nacional de Saúde promova medidas para conter custos com medicamentos”, antes que que se materialize a sua antecipada falência.

Posto desta forma ninguém discorda. Assim faz sentido, racionalizar não é o mesmo que racionar e o que se pretende é uma justa e equilibrada distribuição de recursos. Mas desta maneira não faz notícia. Assim não vende.