quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Voltámos aos Mercados


É o dia do costume. À quarta-feira. Talvez não precisasse ser tão de madrugada. Tão cedo que fere os olhos melados de cama, que expõe sádico as carnes molengas, ainda mornas de alcofa, a um vento de nortada que queima de frio.

Tem de ser tão de manhã, quase ainda breu, que é quando chegam as carrinhas. É quando ainda há para escolha. Quando se pesa com justiça. É quando ainda há dia para fazer render.

Voltámos ao mercado. Não pelo saudosismo romântico. Tão pouco pelo patriotismo inflamado de apoio à produção dentro de fronteiras. Voltámos porque se pesa a granel, porque se junta a saco, que um euro por um quilo de feijão, agora, faz a diferença. Porque se pode comprar só meio-quilo, porque se pode pagar só amanhã, ou quando der jeito.

Voltámos aos Mercados. Os outros de sempre. Internacionais. Rejubilamos, sem perguntar se não foi a dívida assim contraída no passado que nos escarrou na cova funda onde estamos, sem interrogarmos a razão de ser desígnio nacional e não um meio para um fim. Macera-se o cadáver de gente que resta para se voltar aos Mercados e depois? Quem sobrará no mercado?

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Uma Caridadezinha Nojenta (II)


Quando a qualidade do comentário é superior à do texto comentado, mais que o criticando ou reduzindo à sua verdadeira essência, dando-lhe o devido enquadramento, a gerência vê-se na obrigação de o reproduzir.

Num tempo em que 'estado social' significa apenas mais 4 mil milhões ou menos 4 mil milhões, correta e eficazmente desenhados num folha de Excel (que é, de resto, o único instrumento de gestão que estes senhores são capazes de reconhecer), num tempo e num país onde os 'velhos' são olhados como fonte de receita (até onde poderemos ainda subtrair mais as suas magras reformas?), onde os 'novos' não têm lugar (a não ser talvez no próximo voo da Ryanair), onde o acesso a cuidados de saúde é cada vez mais um bem classificável na categoria de artigo de luxo (e por isso, cada vez mais moderadamente taxado), onde se pretende cortar ordenados a quem muito trabalha (ao invés de se despedir quem nada faz... e, óh deus, são aos mil de cada vez), onde menos 50 mil professores representam mais 710 milhões (e nunca um abaixamento na qualidade do ensino), onde o aumento das propinas representará por certo mais receita (e nunca menos alunos a aceder)... num país e num tempo como este que é cada vez mais próximo de um país e de um tempo que julgávamos ter passado definitivamente à história, qualquer caridadezinha sobranceira parece até coisa boa de se noticiar... é triste assim.
SM

Comentário Anónimo a Uma Caridadezinha Nojenta, in O Golpe do Elevador

domingo, 20 de janeiro de 2013

Uma Caridadezinha Nojenta


Vazio. Mais que o olhar, apagado, no branco esquálido de um quadro que devia estar a ser copiado para o caderno, caso a caneta não pesasse um absurdo, caso a cabeça não estivesse mais vazia que o olhar. O mesmo que escondeu da mãe ao correr de casa. O mesmo que a mãe não lhe mostrou porque não tinha coragem. Porque à parte do olhar, nada mais tinha para ele nessa manhã. Nada. A não ser a vergonha estampada na cara. A impotência que entorpece o corpo, que a obriga a aceitar o inaceitável. Que a leva a considerar que mais vale umas horas com fome na escola, que uns dias, passados a horas lentas, com fome em casa.

Talvez se realmente existisse, ninguém se aperceberia. A invisibilidade da última fila, que, irónica, finge esconder quem não quer ser visto, de quem vê tudo. De quem deixa passar, também por ironia, uns sussurros durante um teste. De quem não pode deixar de ouvir a agonia daquele olhar vazio lá no fundo da sala, mesmo estando de costas, ao traçar uns rabiscos tornados demasiado insignificantes, por quem não os consegue ler.

                Agora, poderá ir ao bar, todas as manhãs. Por uma caridadezinha odiosa, pérfida, de quem acha que conduzir criancinhas pela mão para uma côdea branca e um copo de leite é uma revolução no apoio social das famílias, nada comparável com as filas de esfomeados nos países de terceiro mundo, aos quais só não pertencemos, estritamente, por motivos geográficos. Essas crianças não têm irmãos com fome? E pais com fome? Famílias inteiras com fome, cujos miúdos são apenas o reflexo visível, a ponta do iceberg.

                Apoio social não é caridadezinha. É garantir empregos. É baixar impostos, para garantir empregos. É, se tal for preciso, deixar falir bancos, para investir o dinheiro onde interessa, para baixar impostos, para garantir empregos. É, simplesmente, ter consciência.



sábado, 19 de janeiro de 2013

Os Golpes Mais Vistosos de 2012































quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A Casa de Alterne


O óleo da pele permitia o deslizar obsceno das gotículas de um suor malcheiroso que corriam pela barba até à gola, amarela-surro, de uma camisa pouco branca, pouco limpa. Estava ao balcão, mais que húmido, transpirado, de veludo cor-de-vinho, cor de pejo. Cor de nojo ao sair, quando saísse, que já não era o relógio que mandava, era a vontade do corpo, era a vergonha da cara, horas sentado, desperdiçadas ao bater de cada minuto longe de casa, escondido dos olhos castanhos de uma filha sem sono, com fome, de uma mulher com raiva, sem esperança. Ali, ao menos, olhavam-no com um sorriso, ainda que pago com notas que saíam a demasiado custo de uma carteira vazia, pelo menos até ao whisky começar a fazer efeito, pelo menos até a miúda passar a ser mais um corpo nu, tonificado por noites de palco, por noites de colo, por noites de choro, pelo menos até ser de manhã.

Deixaram-no entrar porque sabiam que ali deixaria o que não tem, o que inventa para comprar tempo longe de si. Sabem que de tudo o que ele deixar, contribuem com uma ninharia, porque segundo quem percebe os “espectáculos eróticos são de cariz artístico e que por isso o IVA deve ser cobrado à taxa reduzida”. É um facto, comparando a leviandade pornográfica de um governo que prefere condenar à miséria quem trabalha, continuando a descobrir dinheiro para privatizar bancos, para nacionalizar dívida, com um par de nádegas vendidas por desespero, leiloadas ao desbarato, o nojo torna-se bem mais suportável.











segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Blogs do Ano 2012 - Aventar



Os resultados do nosso blog no concurso Blogs do Ano 2012, da Aventar:


·         Na categoria Actualidade política – blog individual (29 inscritos)

8ª Posição

·         Na categoria Blog Revelação 2012 (189 inscritos)

16ª Posição

·         Na categoria Blogger do Ano (298 inscritos)

35ª Posição


    A gerência agradece imenso os votos submetidos. Não apenas pelo tempo gasto, segundo a segundo, clique a clique, para os fazer contar na urna virtual, mas pelo apoio, na maior parte dos casos incondicional, que irradia de quem passou os últimos dias a correr para uns links de natureza duvidosa, para preencher umas bolinhas furtivas, escondidas num mar de outros blogs, que até poderiam ser (ou não, definitivamente não), melhores que este nosso favorito.

     Muito Obrigado.












sábado, 5 de janeiro de 2013

Estamos Parados


Parado. Quieto, sentado, encolhido ao esperar no cinzento húmido da manhã, talvez venha. Ou não. A esta hora faz tempo, tornou-se indiferente confirmar clemente a vontade do sádico relógio da estação, que força todos à sua vontade, que os amordaça no atraso. Impondo falta, mesmo sem culpa, mesmo com o cansaço de um corpo batido pelo frio da madrugada.

Parado, ainda. Não virá. Estão de greve esta semana. Também ele deveria. Com dinheiros a haver desde há uns meses largos, que chegariam depois de natal, e até à passagem de ano, e, agora, em conjunto com os trocos de Fevereiro. Se chegarem até lá. Ele, por chegar constantemente atrasado, a empresa, por não ter como receber por trabalho não efectuado por ele e todos os restantes que estão parados, ainda. Porque outros estão de greve esta semana. Com ou sem razão, estamos todos parados. Outra vez.

- A CP informa que, por motivo de greve convocada por diversas Organizações Sindicais, se prevê que possam ocorrer entre 2 e 31 de Janeiro algumas perturbações e supressões nos serviços Urbanos…