Vi-os a desfilar
pela televisão. Estavam de bata. E cartazes. E estetoscópios. Um escândalo, um
desrespeito por quem ainda confia nesta gente. Alguns nem médicos eram, meias-lecas
de gente a aquecer bancos nas faculdades, e também estavam na rua aos berros,
preocupadinhos já, os meninos, por poder não sobrar nada para eles também. Pensava
eu, estávamos num país falido. Intervencionado. Onde meio mundo está a perder
dinheiro e outro meio já o perdeu. Onde falta para pagar ao funcionalismo
público, onde milhares, os economistas por obrigação, fazem contas para chegar
ao fim do mês, onde milhares já estão no desemprego, onde milhares não têm como
sustentar os catraios, quanto mais pagar consultas, onde milhares não sabem o
que fazer da vida. Onde milhares estão desesperados. Onde milhares ainda sabem
que podem contar com o SNS. Ainda que moribundo, a dar as últimas. O garante
mínimo de saúde a todos. Onde aqueles aperaltados têm o desplante de sair à rua
lutar por privilégios adquiridos ao longo de anos. Adquiridos e pagos com o
esforço de todos, para todos.
- Desculpem, mas é preciso cortar.
A saúde, como a comida no prato e a educação dos filhos, tornou-se um privilégio
do tempo das vacas gordas. Não é para todos. É para quem paga, ao que parece. Daí,
a greve dos médicos ser uma vergonha. Teve que sair à rua toda uma classe
profissional, gritar aos pés do Ministério da Saúde, para lembrar a quem de
direito que, para cortar, que se corte onde está a mais. Nunca na saúde das
famílias. Nunca numa altura em que, mais que nunca, é preciso dar garante a quem
menos tem. E tem cada vez menos. Nunca confundindo direitos básicos com
privilégios. Nunca num estado de direito.