De entre as muitas memórias de infância que
vibram de um passado gordinho pouco atreito a jogos de bola, Digestão Nojenta, um livro que
em cento e poucas páginas de letra garrafal faz mais pela compreensão das
vísceras, entranhas e dejecções que grande parte dos tratados de
gastroenterologia, é uma das mais marcantes. É pornograficamente explícito.
Descomplicado.
Das horas escanzeladas de leitura a que se
permite, o livro oferece explicações variadas sobre motivos diversos do âmbito
digestivo, desde um “dossier sobre germes mortíferos”, relacionado com
diarreias diversas, gastroenterites, possivelmente, passando por apendicites,
amigdalites e outras ites fascinantes para um garoto que o que
queria mesmo era ser médico. Médico a sério. Com poder de passear de bata,
magicamente indiferente ao movimento do corpo, como se o pano estivesse
amestrado, e dominar a sublime e delicada mágica, restrita a alguns
seleccionados, de empoleirar o estetoscópio nos ombros, inabalável, sempre
pronto para acudir a qualquer batimento menos audível. E passar receitas,
obviamente, com uma letra de escrita sonora, conhecedora, papel timbrado, tinta
preta, imperceptível se não na farmácia.
O que se aprende neste livro é simplicidade.
Devia ser de leitura obrigatória. Existem escolas médicas a mais? Existem,
segundo normas internacionais deve haver uma faculdade de medicina por
cada dois milhões de habitantes. Existem nove, em Portugal. Para
não se arruinar o investimento já feito, aumente-se o número de vagas em Faro e
em Aveiro, fazendo uma racionalização (diminuindo o total) dos numerus clausus, de forma a
resolver o problema de sobrelotação, quase claustrofóbica, das restantes
faculdades do país, aumentando a qualidade do ensino básico e garantindo a
continuidade da formação médica. Simplicidade. Que não passa por abrir mais
faculdades de medicina. Privadas ou não.
Ninguém põe em causa a qualidade da formação da
CESPU. E até há uma “coincidência muito grande do plano curricular” do curso de
Ciências Biomédicas com “os primeiros anos de qualquer curso de medicina”. Só
há um problema. Praticamente igual não é a mesma coisa que igual. Bom não é
igual a óptimo. Pode até existir uma “coincidência muito grande”, mas óptimo
nunca será igual a excelente. E excelência é o que se espera de futuros
profissionais médicos.