É quente e cáustica e electricamente rápida a correr pelas carnes e
fluidos íntimos de nós, apenas para se deixar permanecer hipócrita numa
latência mesquinha de pulsar ácido. Foi uma facada, feia. Foi traição. É dor de
morte. Foram muitos anos, demasiados meses, no mar, a vergar a vontade das
ondas, a namorar sopros alíseos, a comer um conduto, pasta-escarreta-verde-nojo,
verde de doença. A dar do corpo na barcaça e a domar, por Deus, a ideação que
tropeça nuns olhos que enganam, pelo salitre das pestanas, pela carência do
corpo que quer afecto, pelas noites de solidão que vão transformando o perfil
bovino-suado, de cheiro caprino do Ribeiro, com o seu visco jactante pela goteira
peluda das costas, numa silhueta mui pia,
qual sereia, alvo de pensamentos pouco castos.
Tanta coisa para levar o Senhor, a Língua, e, acima de tudo, a Bola ao
outro lado do Atlântico. Ingratos. Basta a primeira fornada consistente de uma
classe média informada e consciente para sair o povo em luta pela educação e
saúde em detrimento de mais betão para proteger o pelado. Degeneraram das suas
raízes europeias tementes aos astros de chuteira – deve ser o lado índio,
selvático.
Por cá também havia uma secção entre os muitos ricos e os muitos pobres. Emigrada,
exterminada à conta de muito futebol e construção civil. Lá, no garrido das
praias e das favelas, apareceu há poucos anos, mesmo com o calor, a sunga e a
água de coco. Ao menos deixou-se lá sentido crítico. O que foi murchando de
podre na Pátria-mãe, aflorou além-fronteiras. Ao menos o Ribeiro não foi
sodomizado em vão. Menos mal.