Esmurrava-o repetidamente. Com gozo estampado
na cara, prazer que escorria do cantinho daquele sorriso com laivo de
bestialidade, à medida que cada punho era metralhado com a esperança que as
falanges que ia moendo naqueles beiços feitos papa, rasgados em sangue,
triturassem bem mais que as carnagens daquele infeliz. Lhe moessem o ser, a
alma, a vontade. De se levantar. De continuar a roubar-lhe o trabalho. O seu e
o dos outros que assistiam com a mesma expressão visceral, enquanto o suor lhe gotejava
em bica pela cara arrastando o sangue esguichado a cada pancada e cegando-o, à
medida que o arrastavam de cima do estrangeiro, tornado bem mais que um
estrangeiro. Não por clemência, que já não era altura para tal. Porque já se
estava a fazer tarde. De o devolver à família. Alargada, de novo, com o
regresso da filha, formada, desempregada, do respectivo
mais-que-tudo-por-casar, formado, agrilhoado nesse escravagismo quinto-imperialista
dos estágios não remunerados, e da pequena de ambos que “coitadinha não tem culpa”.
Acresce o filho mais novo que vai estudando “mas não vai poder ser doutor como
a irmã”, a mulher que ao fim de anos a moer as unhas na colagem das botas,
ganhou pouco mais de dez dias de salário por ano de clausura a sulfatar os
pulmões com cheiro de cola. Vai tratando da casa, à qual chega. Cansado,
batido, humilhado pela vida, para se sentar na sala, à televisão:
-
“Subvenções vitalícias de políticos vão ter corte de 15%, promete o Governo.”
Suspira. Ainda
tem os punhos a latejar.