Sabe demasiado bem. O
ar é doce e terno. E cheira a bolo, o nosso bolo, aquele que nos acaricia ao
chegar a casa, quando o corpo dói do frio áspero que tomou a rua como sua, mas
que fica sempre à porta. Mas que fica sempre à espreita, lá fora, enquanto nos
perdemos no regaço do sofá, naquele cantinho mais doce do mundo onde o leitinho
é sempre mais morno e que transforma qualquer minuto vespertino no mais
encantador soninho. É onde a
almofada tem uma mancha de baba. É nosso. E é mais que isso. É a mãe a
chamar para jantar porque há natas do céu ou as tardes passadas em casa da avó,
a comer marmelada com bolachas, e bolachas, e marmelada. E é o natal, e o
aperto no coração até à meia-noite, que não chega nunca, para ver os olhos do
mais cachopo, e há papel por todo lado e sempre, sempre, mais um bolo-rei, mais
um bolo. Sempre, mais uma aletria.
Somos caseirinhos,
quentes, emotivos e, principalmente, pouco produtivos. Gostamos de robes e chinelos, que mantemos ao ir
comprar pão ao Sr. Azevedo. Gostamos do pão do Sr. Azevedo e de saber se a
Anita vai casar em Junho. Somos um país que não cabe em relatórios de contas
porque os bigodes do avô não se moldam às células de um programa de somatório.
Somos descontraídos. O que não
ajuda no momento de pagar as contas. Absolutamente nada. Por isso estamos
na miséria. Porque adoramos pantufas e ver a miudagem a jogar futebol ao pé da
garagem. A norte dos Pirinéus não entendem, com os gráficos, tabelas e guias.
Está tudo pago. Tudo a horas. E ainda bem. Vivem com contas tratadas, vivem e
viverão bem. Mas são demasiado monótonos. Frios. Nós vamos sobrevivendo em
família, com a família, com o cão, com o gato, o nosso e o da vizinha, com os
amigos com quem, enquanto se espera pelo cabrito nos rimos mais um pouco da
desgraça que é amar demasiado esta terra.
Que não venham em nome
das metas do défice, seja lá o que isso for, exigir demasiado, sempre dos
mesmos. Quando não houver dinheiro para ver o Benfica perder mais um campeonato
com um pratinho de tremoços o caso muda de figura. Não se habituem a
manifestações pacíficas.
Imagem retirada de http://catedraldaluz.blogs.sapo.pt/5364.html. Acedido a 17/10/2012.
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