Vazio. Mais que o olhar, apagado, no branco esquálido de um quadro que
devia estar a ser copiado para o caderno, caso a caneta não pesasse um absurdo,
caso a cabeça não estivesse mais vazia que o olhar. O mesmo que escondeu da mãe
ao correr de casa. O mesmo que a mãe não lhe mostrou porque não tinha coragem.
Porque à parte do olhar, nada mais tinha para ele nessa manhã. Nada. A não ser a
vergonha estampada na cara. A impotência que entorpece o corpo, que a obriga a
aceitar o inaceitável. Que a leva a considerar que mais vale umas horas com
fome na escola, que uns dias, passados a horas lentas, com fome em casa.
Talvez se realmente existisse, ninguém se aperceberia. A invisibilidade
da última fila, que, irónica, finge esconder quem não quer ser visto, de quem
vê tudo. De quem deixa passar, também por ironia, uns sussurros durante um
teste. De quem não pode deixar de ouvir a agonia daquele olhar vazio lá no fundo
da sala, mesmo estando de costas, ao traçar uns rabiscos tornados demasiado
insignificantes, por quem não os consegue ler.
Agora, poderá ir ao bar, todas
as manhãs. Por uma caridadezinha odiosa, pérfida, de quem acha que conduzir
criancinhas pela mão para uma côdea branca e um copo de leite é uma revolução
no apoio social das famílias, nada comparável com as filas de esfomeados nos
países de terceiro mundo, aos quais só não pertencemos, estritamente, por
motivos geográficos. Essas crianças não têm irmãos com fome? E pais com fome? Famílias
inteiras com fome, cujos miúdos são apenas o reflexo visível, a ponta do
iceberg.
Apoio social não é
caridadezinha. É garantir empregos. É baixar impostos, para garantir empregos.
É, se tal for preciso, deixar falir bancos, para investir o dinheiro onde
interessa, para baixar impostos, para garantir empregos. É, simplesmente, ter
consciência.
Gostei do texto.
ResponderEliminarAntes não tivesse de gostar, dado a dureza do tema.:(
Concordo com a ideia de fundo e o retrato que a transmite é eloquente.
Quanto tempo mais deveremos aceitar esta visão do remedeio à fome da criança, para compensar o quanto se rouba aos pais e ao país, em impostos e em falta de oportunidades? Até quando esta vergonha nacional? :((
Abraços
Tem toda a razão. Muito obrigado por visitar este nosso blog. Volte sempre!
EliminarNum tempo em que 'estado social' significa apenas mais 4 mil milhões ou menos 4 mil milhões, correcta e eficazmente desenhados num folha de excel (que é, de resto, o único instrumento de gestão que estes senhores são capazes de reconhecer), num tempo e num país onde os 'velhos' são olhados como fonte de receita (até onde poderemos ainda substrair mais as suas magras reformas?), onde os 'novos' não têm lugar (a não ser talvez no próximo voo da ryanair), onde o acesso a cuidados de saúde é cada vez mais um bem classificável na categoria de artigo de luxo (e por isso, cada vez mais moderadamente taxado), onde se pretende cortar ordenados a quem muito trabalha (ao invés de se despedir quem nada faz... e óh deus são aos mil de cada vez), onde menos 50 mil professores representam mais 710 milhões (e nunca um abaixamento na qualidade do ensino), onde o aumento das propinas representará por certo mais receita (e nunca menos alunos a aceder)... num país e num tempo como este que é cada vez mais próximo de um país e de um tempo que julgávamos ter passado definitivamente à história, qualquer caridadezinha sobranceira parece até coisa boa de se noticiar... é triste assim.
ResponderEliminarSM
Só me resta informar que esta tua intervenção vai ser promovida de "comentário" a "post". Sem mais a acrescentar, a não ser que é sempre um prazer ter-te por aqui.
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