sábado, 12 de outubro de 2013

Espancado





Esmurrava-o repetidamente. Com gozo estampado na cara, prazer que escorria do cantinho daquele sorriso com laivo de bestialidade, à medida que cada punho era metralhado com a esperança que as falanges que ia moendo naqueles beiços feitos papa, rasgados em sangue, triturassem bem mais que as carnagens daquele infeliz. Lhe moessem o ser, a alma, a vontade. De se levantar. De continuar a roubar-lhe o trabalho. O seu e o dos outros que assistiam com a mesma expressão visceral, enquanto o suor lhe gotejava em bica pela cara arrastando o sangue esguichado a cada pancada e cegando-o, à medida que o arrastavam de cima do estrangeiro, tornado bem mais que um estrangeiro. Não por clemência, que já não era altura para tal. Porque já se estava a fazer tarde. De o devolver à família. Alargada, de novo, com o regresso da filha, formada, desempregada, do respectivo mais-que-tudo-por-casar, formado, agrilhoado nesse escravagismo quinto-imperialista dos estágios não remunerados, e da pequena de ambos que “coitadinha não tem culpa”. Acresce o filho mais novo que vai estudando “mas não vai poder ser doutor como a irmã”, a mulher que ao fim de anos a moer as unhas na colagem das botas, ganhou pouco mais de dez dias de salário por ano de clausura a sulfatar os pulmões com cheiro de cola. Vai tratando da casa, à qual chega. Cansado, batido, humilhado pela vida, para se sentar na sala, à televisão:

- “Subvenções vitalícias de políticos vão ter corte de 15%, promete o Governo.”


Suspira. Ainda tem os punhos a latejar.